A Poética do Banal: obsolescência das práticas cotidianas de Thiago Rodeghiero é uma série que, em meio a profundo azul de uma coruja-fotografo, anuncia sua presença, que dispara em cliques/olhar para encarar o leitor/espectador. O livro tem em seu olhar na força do sol e, num piscar, captura os mais sutis movimentos, levando com isso a uma jornada nas páginas a seguir. Pequenos detalhes banais são lançados como uma lupa sobre as paisagens. A coruja-fotografo vê ao longe, alça voos nos colocando bem perto de cenas cotidianas.
Nas ruas, taquaras, cercas, pneus, cores e estradas, um gramado de possibilidades, banheiros químicos jogados em meio a um vasto verde acionam os processos de percepção de uma civilização que se apoia em construir e, nesta longa jornada, destruir o meio ambiente. O artista conduz este olhar para este abandono, caminhões que ficaram obsoletos em uma economia sangrenta, máquinas que ajudaram a transportar cargas de um lado para o outro: sonhos em paisagens. Nestes deslocamentos onde vamos percorrer com os olhos, focamos nas práticas cotidianas, nas redes que tramam e secam após a pesca: conexões de famílias de pescadores com o seu meio. Fica a sensações de uma presença, das festividades sobre o que alimenta o corpo e a alma.
Vemos girafas apontando ao céu e elas são azuis e de metal: uma forte estrutura que o sal corrói aos poucos numa imponente vista da linha do horizonte. Fixas e moventes em imaginação, andarilham na beira da estrada para quem está do outro lado da praia do Cassino. Em conexão, fios e ninhos de um morador pequeno que, com grandes voos até sua morada, chega na primavera em fibra ótica: de longe procura companhia e calor. Constrói um abrigo para futuras histórias em um glitter visual.
Patos com formatos de ponto de interrogação lançam perguntas ao asfalto, olham ao infinito de possiblidades e para quem tira as fotos. Seguindo seu caminho, param, observam e travessam a rua à espreita e em grupo: o lugar é deles. Um território conhecido, mas com vários elementos desconhecidos. Com o ar batendo no rosto numa brisa quente de verão, a areia se mistura com o céu em repetidas vezes, como um eco de instantes que cria uma textura de imagens: um descanso aos olhos. Esta exposição luminosa traz a sensibilidade de camadas de acúmulos e observações.
O desterritório das correntes de ventos fazem pequenas paradas e o artista lança-se para dentro do barro, construindo casas provisórias para habitações temporárias. Nos buracos escondidos em troncos, cria outros refúgios, lapidando com bicadas e arranhadas os espaços abertos onde antes não tinha. Aproveita-se dos lugares como se fosse seu alimento e abre o peito para fechar o lugar em uma série de construções feitas (e outra ainda por fazer).
Como zunido, as flores chamam a atenção para os seus movimentos amplos, numa espécie de linha que corta o pôr do sol. O bico dos pássaros leva comida para os que precisam. O verde abraça as fotografias e remonta estes ambientes/casas.
Em um mar de força, no cair da tarde, a visualidades que a coruja-fotografo nos propõe ajudam a detectam sua (presa): as imagens em movimentos que nos escutam. A aerodinâmica do voo, precisa e silenciosa entre as nuvens, faz enxergar tudo à sua volta como uma pipa no meio do oceano. As majestosas pedras que por onde repousam suas asas macias como veludo, param nos dando um ponto nesse incansável trajeto, aproveitando a suave brisa.
Deixando o desejo levar para o próximo clique, congela uma pequena fração do tempo, percebendo que ao parar nesta pedra aprecia-se o mar. Assim os animais e pessoas que pescam em meio a um urbano nos saltam aos olhos, nos voos curtos sobre prédios e casas: valas que levam ao mar resíduos poluentes que não escapam. A areia que sopra espalha e limpa.
Esta coruja-fotógrafo habita vários habitantes e desloca-se, influenciado fortemente as paisagens que passa. Abrindo fendas vermelhas no meio do verde, cria veias por onde passa: o sangue pulsa as cidades. As casas abandonadas são sobrevoadas e adentradas para vê-las em detalhes. Mas há outras moradias, a casa dos marimbondos se adapta ao ambiente e cria perturbações no ar, confronto com as pessoas que ali circulam. Os animais criam uma passagem e, comprometidos pela obsolescência programada de seus lugares, habitam as próprias transformações: são os fios que conectam as vidas e alertam ao se descaso.
Os voos da coruja-fotógrafo formam uma dobra, voltando sempre as pequenas situações do dia a dia, dando potência para os encontros mínimos. A câmera focaliza as coisas cotidianas, e é elemento surpresa destas páginas-movimentos. Portanto, fazer sentir o vento no rosto e o toque das pedras é nos fazer abrir os olhos para tocar a paisagem. É isto que propõem a coruja-fotografo: sentir o chão com o seu corpo, a areia correr pela pele, sentir as asas bater forte contra o vento. Para nós resta um pouso forçado, uma pausa necessária para se entocar e abrigar no alto da girafa de metal e quem sabe também ser um pássaro.
A exposição está aberta até dia 30/03/2021 no link: https://poeticasdobanal.hotglue.me/
texto de Tatiana Duarte
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