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e-book: Guabiroba em mim: cartografias de uma artista caminhante vol.1

Atualizado: 23 de abr. de 2021

O que se trilha constitui o caminho. por Marlise Buchweitz*


Caminhar, andar no mapa e nas ruas, transpor o caminho para um mapa, delinear traçados que acompanham o formato das ruas e das quadras, preencher o papel em branco com linhas que indicam percursos: eis o que se vê, se lê e se acompanha nas páginas a seguir. “A Guabiroba em mim: cartografias de uma artista caminhante” é resultado de um processo, de um movimento realizado por Adriane Rodrigues Corrêa**, pelo Bairro Guabiroba, em Pelotas/RS, durante o tempo do mestrado, pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Universidade Federal de Pelotas/UFPel.



A criação artística de Adriane resulta da ação de circular pelas ruas do Guabiroba, juntando a técnica com a sensibilidade, a observação perscrutadora do olho que sabe o que busca com a percepção sentimental, e unindo o saber científico apreendido com a memória afetiva muito cara ao sujeito que constitui conhecimento, mas que também está muito ligado a uma sensibilidade pessoal e íntima. Ir e voltar, andar e ver, acompanhar e sentir os movimentos do corpo que perambula pela cidade se conecta com a pesquisa e as leituras que aprimoram e lapidam os sentidos da busca singular por mostrar e se mostrar na deambulação da estética e da composição do lugar.

Sérgio Britto já compunha que “é caminhando que se faz o caminho” e, dito de outra forma aqui, o caminho que se esboça nas imagens e nos mapas constituídos por Adriane indica o tanto que trilhou, por onde andou ou onde esteve. A materialização destes deslocamentos em registros só existe a partir da profundidade da relação que a artista cria com aquilo que seu olho vê e seu corpo sente. Nas páginas em branco, concretizam-se trajetos que fluem com o sentir: imaginados, tracejados e percorridos.

No instante em que se debruça sobre a cartografia sentida, elaborada, criada a partir da conexão mais sutil e do vivido, em integração com a arte e com a emoção, Adriane compõe desenhos que se fazem enquanto se imagina e se coloca na paisagem de seu bairro. Enquanto o corpo se encontra no trajeto, no mapa a acompanhar, a percepção captura o significado e a arte o transforma em caminho descrito, movimento que esquematiza a cartografia emocional de Giulliana Bruno. No mesmo sentido, Madeleine de Scudéry é quem intui e mostra a construção de um mapa que segue uma narrativa afetiva a partir da paisagem pela qual a personagem de seu romance se desloca. Portanto, é pela emoção de Adriane que se materializa o registro cartográfico visível e possível de observação, e que ela se narra e relata o panorama em que se transcende e se entende.

O mapa se molda, se faz e se constrói conforme a intuição e a afeição conduzem os passos desta artista caminhante que se propõe a sentir, a experienciar e a concretizar o caminho. A circulação de um espaço a outro e entre espaços permite que Adriane vá traçando linhas que ligam estes pontos, configurando o que Rebeca Solnit chama de história do caminhar, um movimento permeado por um desejo de ser uma mulher a fazê-lo sozinha, frequentando o espaço público como uma experiência individual, única.

Juntamente com a ideia da cartografia emocional, pode-se atentar para o que Paola Jacques denomina como corpografia urbana, o conjunto de descrições ou esboços do lugar feito pelo corpo e no corpo. O corpo é quem circula pelo espaço, que se coloca nos lugares públicos, deixando-se ver e se mostrando dentro da cidade, pela cidade, delineando o mapa que lhe é tão íntimo, tão caro, tão particular. Também o corpo é que sente os passeios, as passagens, as rotas e as implicações que o fato de se mover traz, ele é quem carrega em si os percursos realizados; este mesmo corpo é responsável, ainda, por consolidar as ruas e os bairros no mapa.

Myriam Lins de Barros destaca a importância da cidade para os sujeitos a ponto de se recortá-la em pedaços, os quais, associados a vivências pessoais e a memórias afetivas, constituem para estes sujeitos a cidade toda. Remete-se a esta ideia ao comparar o pedaço da cidade de Pelotas para Adriane – seu bairro Gabiroba – como o lugar que a acolhe, que a forma e a transforma enquanto mulher urbana que vive da cidade na arte e habita a cidade ao mesmo tempo. Permitir-se concretizar este movimento, através do traço, do mapa, da cartografia, compreende uma valorização de seu pedaço de cidade, tão caro à pessoa que vive nele, mas também à artista visual, cujo olhar transcende o que está ordenado à frente de seus olhos, visto que é atribuído de sentido, torna-se fragmento de memória e compõe o universo espacial pelo qual sua autora transita.

Para Michel de Certeau, a prática de espaço, as maneiras de caminhar e a experimentação permitem reapropriação, sendo o sujeito determinado pela relação social. De modo similar, pode-se falar aqui de uma relação social de Adriane com o espaço no qual vive, saindo de seu mundo privado e vivendo o urbano e as relações que este local lhe permite, experimentando-o e sentindo-o, reapropriando-se dele através do sensível.

As próximas páginas, portanto, caro leitor e espectador, destacam uma espécie de jogo urbano, mas um jogo sem regras já que é movido pelo instinto e pela emoção de uma artista que se movimenta no projeto urbano e se transpõe para o espaço da cidade. Nas linhas, nas curvas, nos trajetos de uma andarilha, de uma artista, de uma mulher sensível, de uma cidadã pelotense e de uma pessoa que se pensa e se reflete através do traço, da arte, da imagem, têm-se a sutileza, a sensibilidade, a memória e a vida cotidiana se revelando através de uma estética peculiar, simples, individual, desnudando um jeito de ser e de viver dentro de uma paisagem cujas fronteiras são escolhidas pelo próprio sujeito.




*Marlise Buchweitz é professora; escritora; revisora; Doutora na área Interdisciplinar, pelo Programa de Pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPel); Mestre em Letras/Estudos Literários (UFRGS); Especialista em Letras/Literatura Comparada (UFPel); graduada em Letras / Inglês e Literaturas (UFPel)


**Adriane Rodrigues Corrêa é artista visual, mestre em Artes Visuais na Linha de pesquisa “Processos de Criação e Práticas do Cotidiano” pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e professora de artes visuais da rede federal de ensino.

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